10 de janeiro de 2015

Amantes Eternos (de Jim Jarmush, 2014)

Jim Jarmush não é acostumado com o usual em suas produções. Com um cinema que anda de mãos dadas com a música, as realizações do cineasta se iniciam com os já considerados clássicos modernos Estranhos no Paraíso (1984) e Daunbailó (1986) e avança durante os anos 90 e 00 com produções como Ghost Dog (1999), a série de segmentos Sobre Café e Cigarros (2003) e o esdrúxulo Os Limites do Controle (2009).

Comprovando novamente essa tese em seu mais recente filme, Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive, 2014), o diretor certamente força ainda mais o seu espectador para um terreno inesperado em sua filmografia: uma produção sobre vampiros. Como bem colocamos, é um filme de Jarmush e então, as coisas nem sempre irão por uma trajetória comum. Aqui, seus vampiros não são como a grande maioria descrita em contos e filmes infanto-juvenis.

Intelectuais, Adam (Tom Hiddleston) e Eve (Tilda Swinton), a analogia dos nomes não é mera coincidência, são dois vampiros que vivem entre os mortais há séculos. Eles não saem à noite para caçar vítimas, muito menos seduzem mocinhas ou brilham no escuro. Grandes incentivadores e contribuidores, a dupla acompanhou das sombras, durante esses séculos, grandes intelectuais (escritores, cientistas, músicos e pensadores) que moldaram a nossa sociedade.

Enquanto Eve vive em Marrocos, Adam passa seus dias em uma solitária e escura Detroid, acompanhado de sua música. O vampiro parece não encontrar mais uma perspectiva para seus dias nessa encarnação e Eve retorna à companhia do companheiro com o objetivo de acalmá-lo. Juntos o casal contrasta, afinal são um tanto quanto opostos. Eve é um ser alegre e calmo, e Adam é um tanto depressivo e neurótico. Mas acabam ao mesmo tempo se complementando e equilibrando, como um ying-yang. Toda essa sinergia acaba recebendo uma grande interferência com a chegada da irmã mais nova de Eve, a moderna Ava (Mia Wasikowska). Que serve de contraponto para a vida regrada, reclusa e quase invisível que o casal leva. Ava parece buscar atenção em demasiado.

Repleto de metáforas, Amantes Eternos traz atuações excepcionais de Swinton e Hiddleston, além das presenças de John Hurt e Wasikowska (uma das mais promissoras atrizes dessa nova geração), muito bem guiados por Jarmus. O filme trata da cumplicidade de um casal, que, por alguma curva do destino, aconteceu de se tornarem vampiros. Apenas.

Lucy (de Luc Besson, 2014)

Luc Besson apresentou ao cinema francês a capacidade de realizar blockbusters com a qualidade técnica dos norte-americanos, fazendo com que os europeus em nada ficassem devendo em termos de efeitos especiais e direção de arte. Mesmo com uma cinematografia excepcional os franceses ainda, em meio aos seus blockbusters à la Besson (e de Besson), parecem se manter na mesma linha que os americanos, levando à mediocridade as suas narrativas e temáticas.

Lucy
(2014), último filme do diretor que nos deu pérolas como o kitsch O Quinto Elemento (1997) e sua obra maior Leon: O Profissional (1994), traz o reflexo dessas problemáticas citadas. Inicia com uma edição que mesmo didática e exageradamente metafórica, parece querer traçar paralelos e aos poucos criar uma trama engenhosa. Ledo engano, quando menos esperamos estamos envoltos em perseguições, tiros e uma teia conspiratória que envolve a personagem-título. Após ser presa e usada como mula, Lucy, ao chegar com as drogas ao destinatário acaba sendo violentada. Com os socos e ponta-pés, o saco que carrega no estômago acaba por romper, fazendo com que a personagem absorva uma potente nova droga que será lançada no mercado de tráfico. Após absorver a substância, ela acaba acionando partes de seu cérebro que nenhum ser humano consegue, virando uma superinteligência. Certamente uma superinteligência da qual nem 1% foi parar nessa acéfala produção de Besson.

Mil Vezes Boa Noite (Erik Poppe, 2013)

Meryl Streep pode ser a escolha unânime quando se fala na melhor atriz da atualidade, mas não há como concordar piamente após assistir performances de atrizes francesas, em especial Juliette Binoche. Em Acima das Nuvens (Clouds of Sils Maria, 2014), próximo lançamento da atriz no Brasil, a francesa traz nuances à sua performance que refletem uma personagem que não está preparada para aceitar o tempo e a idade, e o mesmo é um dos temas de Mil Vezes Boa Noite (A Thousand Times Good Night, 2013).

Rebecca (Binoche) é uma das mais renomadas fotógrafas de guerra da atualidade. Acostumada a se arriscar em terrenos de disputa, tudo muda após acompanhar os preparativos de uma mulher-bomba. Acabando acidentada, ela coloca sua família em pânico. É quando seu marido, um biólogo interpretado pro Nikolaj Coster-Waldau, lhe dá um ultimato para retomar a vida longe da instabilidade ou eles se separarão.

Dirigido pelo sueco Erik Poppe, do elogiado Hawaii, Oslo (2004), Mil Vez Boa Noite é um filme no máximo correto. Sem expandir questões políticas ou vivências passadas da própria personagem, Poppe opta por retratar uma Rebecca impulsionada pela sede de mudanças nas desigualdades que se encontram no mundo. Longe de uma visão pollyanesca que pode modificar o mundo e torná-lo mais feliz, a personagem encontra na sua profissão uma causa, ser uma informante dos acontecimentos que ocorrem pelo mundo e assim conscientizar os outros. Mesmo com o tempo e a idade indo de encontro à Rebecca, afinal ela é uma matriarca, precisa assumir responsabilidades e zelar pela sua segurança própria pelo bem de sua família, ela enxerga de outra forma.

O diretor ainda coloca a personagem em situação delicada com a sua filha mais velha, havendo aí uma necessidade de reconstrução de uma relação enfraquecida pelo trabalho e pelas guerras. Binoche segura de forma excepcional, como sempre, em uma produção sem grandes pontos de virada e que se mantém exatamente nisso, na vontade e nos ideais de uma grande mulher. O que já é bem suficiente.

Publicado originalmente na edição #12 do Zinematógrafo de Porto Alegre/RS.

1 de janeiro de 2015

70 filmes imperdíveis no Netflix

Não sei como é na sua cidade, mas na minha, Pelotas, cada vez mais videolocadoras estão fechando. Se antes era a tv a cabo e depois a pirataria online, que faz com que os filmes sejam liberados via download ilegal assim que saem em dvd em outros países, agora a grande pedra no sapato dos donos desses estabelecimentos, que estão virando sinônimo de nostalgia, são os serviços de streaming.

Os irmãos Weinstein, antigos donos da Miramax e atuais sócios da Weinstein Company, já disseram que se pudessem escolher um lugar para estar trabalhando no momento dentro da indústria dos filmes, esse lugar seria o Netflix.
Assim como o Spotify, o Netflix oferece o serviço de streaming, mas de filmes. Com isso disponibiliza por uma mensalidade fixa, que podemos considerar baixíssima, um acervo de filmes, séries e minisséries para a televisão. Até mesmo novelas são disponibilizadas e alguns conteúdos exclusivos.A mensalidade pode ser considerada baixa se compararmos o custo mensal à locação de um filme em dvd nas grandes capitais do país. Porém, no Brasil, o acervo do Netflix nunca foi um dos mais fortes. As séries dificilmente recebiam novos episódios e os filmes eram da década passada. Até valia dar uma caminha até a videolocadora.Felizmente para os consumidores e infelizmente para as videolocadoras, devido a uma aproximação com as distribuidoras nacionais, a plataforma agora oferece um acervo excepcional e que já pode começar a se comparar a países como os Estados Unidos e parte da Europa. Só faltam mais títulos do cinema nacional.Como sou uma pessoa com problemas quando colocado à frente de tantas opções de filmes e séries, gostaria de dividir alguns filmes que considero um bom guia para desbravar o Netflix. São filmes que assisti ao longo dos anos e que considero muito bons, alguns guilty pleasures e certamente alguns excepcionais, se tornando filmes que levo para a vida.
Na lista, 70 longas-metragens que trazem um pouco de dramas, comédias, romances, documentários, animações que valem muito a pena dar uma olhada. Um bom programa para essas férias e feriadões. E pro ano de 2015 também. Bom proveito!

26 de dezembro de 2014

O Desaparecimento de Eleanor Rigby (Ned Benson, 2014)

Ned Benson, diretor de O Desaparecimento de Eleanor Rigby (The Disappearance of Eleanor Rigby, 2014) deve estar saturado de ouvir falar de sua produção. Estrelado pela fascinante Jessica Chastain e o sempre simpático James McAvoy, Eleanor Rigby possui o total de três versões para o cinema. E todas as três foram, de certa forma, lançadas para o público, mesmo que não comercialmente. Exibido originalmente em 2013 no Festival de Toronto, a produção de Benson era dividida em duas partes, uma contava a história pela perspectiva da personagem título e a outra pela perspectiva do marido, Conor. Em seguida da exibição no festival, o diretor já encaminhava um terceiro corte, juntando a visão de ambos e que seria lançada comercialmente.




Batizada devido à famosa canção dos Beatles, Eleanor (Chastain) é casada com Conor (McAvoy) e como o filme coloca nos minutos iniciais, são o casal perfeito. Fugindo de pagar a conta em um restaurante se mostram românticos e é notável como se complementam. Mas tudo muda com a tentativa de suicídio de Eleanor e seu subito desaparacimento, que também leva a uma insistência em não querer rever Conor. A plateia é colocada em banho-Maria sem saber ao certo o que levou o casal a esse momento tão triste da relação. E, aos poucos, Benson vai nos dando indícios ali e acolá e, assim como seus personagens, tudo fica nas entrelinhas sem ousar falar diretamente a respeito. Entramos automaticamente no luto que Eleanor vive constantemente.


Jessica Chastain surge roubando com momentos belíssimos ao lado de atrizes como Viola Davis e a francesa Isabelle Huppert (que interpreta a mãe de Eleanor). Como temática, o filme acaba lembrando produções como Reencontrando a Felicidade (2011) e até mesmo A Árvore da Vida (2011), também estrelado por Chastain. O Desaparecimento de Eleanor Rigby realmente deve ser excepcional em suas outras duas versões que visitam a perspectiva individual de Eleanor e Conor, justificando melhor algumas escolhas e ações dos personagens. Mas essa terceira versão, que ganhou informalmente o subtítulo de "Eles", ganha muito ao transmitir o sentimento que persegue o casal protagonista.



24 de julho de 2014

Grace de Mônaco (de Olivier Dahan, 2014)

Uma sensação de desapontamento perpassa toda a exibição de Grace de Mônaco (Grace de Monaco, 2014), e o sentimento não é apenas gerado devido as altas expectativas pela história da atriz e princesa Grace Kelly (Nicole Kidman), mas também pela direção pobre e exagerada de Olivier Dahan, diretor de Piaf - Um Hino ao Amor (2007).

Se em Piaf, a direção de Dahan era salva pela perfomance carismática de Marion Cottilard e em como conseguiu de forma satisfatória se utilizar do melodrama, aqui em Grace, quase 7 anos após a cinebiografia da cantora francesa, assistimos à uma produção sem carisma, sem paixão e que parece se firmar em estruturas que poderiam ser fortes e interessantes, mas que se tornam fracas e sem muita profundidade: política, insatisfação, sacrifícios e a força de uma mulher, não de Grace Kelly atriz ou Grace, a Princesa de Mônaco, mas sim o papel que uma mulher precisa exercer em função daqueles que ama e com isso, sacrificar-se.

Não era exagerada a reação de Harvey Weinstein em querer reeditar a obra para lançá-la no mercado norte-americano. Um dos problemas de Dahan reside exatamente aí, na montagem e no ritmo que essa dá ao seu filme. Sem focar nos closes e se aproximando de planos detalhe dos olhos de Kidman durante toda cena tensa ou emocional, o diretor é puro excesso. Mesmo que isso seja característico de sua inspiração principal, os melodramas, sua direção deixaria Douglas Sirk com vergonha. Afinal, ao contrário de Dahan, Sirk (pai do melodrama) com todo seu domínio não ameaçava abordar um assunto ou o apontava de forma superficial, ia no cerne da problemática apontada. Faltou coragem a Dahan de encontrar esse cerne. Mas resta ao diretor apenas o sentimento que Grace Kelly deve ter sentido ao ver que sua vida em Mônaco seria só mais um papel ficcional que viria a desempenhar: frustração.

8 de janeiro de 2014

As Escolhas de Adèle

Chega a ser difícil escolher por onde iniciar um comentário sobre Azul é a Cor Mais Quente, afinal em suas três horas de projeção o diretor Abdellatif Kechiche nos apresenta tantas camadas riquíssimas de interpretação. Partindo da graphic novel de Julie Maroh, o diretor propõe ao espectador ser um voyeur da rotina e do amadurecimento de uma garota que está se descobrindo e fazendo a tão difícil transição da juventude para a idade adulta, lembrando muito uma outra sensação desse ano nos cinemas, a desajeitada Frances Ha (2013). Mas se a personagem de Greta Gerwig e Noah Baumbach quer se encontrar profissionalmente e como artista, a protagonista de Azul, Adèle, quer se encontrar através do amor e da sua total amplitude sexual.

O ponta pé inicial para esses acontecimentos se darão ao simplesmente atravessar a rua e cruzar olhares com Emma (Léa Seydoux), uma artista plástica de cabelos azuis. Esse amor à primeira vista deixa um vazio, que Adèle retira, junto de seus colegas na escola, das páginas de A Vida de Marianne, de Pierre de Marivaux. E assim como Marivaux descreve e dá voz a uma história tão feminina, Kechiche faz o mesmo. Com uma delicadeza singular e com Adèle Exarchopoulos como sua Marianne, musa e veículo.

Azul é um filme que trata de sentimentos, do amor essencialmente. E ao traduzi-lo na linguagem cinematográfica pode-se cair em extremos, do piegas ao distanciamento frívolo. Mas Abdellatif opta por demonstrar toda essa paixão através de planos de gestos, olhares, toques e pele. É um cinema carnal, afinal é também através da carne que achamos a forma de expressarmos o que sentimos. E Adèle, tanto atriz e personagem, é utilizada quase à exaustão.

Após aquela troca de olhares com Emma, a vida da nossa “heroína” vira do avesso. O garoto que paquerava na escola já não faz sentido e meio sem esperar, é surpreendida por uma colega que lhe oferece a porta de entrada para uma nova possibilidade, um universo em que garotas beijam garotas. E Adèle se joga com força, mas é rejeitada pela garota que tenta explicar que “foi só um beijo”. Essa mesma garota assistirá de longe a cena em que a protagonista é confrontada por suas colegas se é ou não lésbica em uma discussão forte. Kechiche nesse momento passa a representar a França, os gays que de um lado não se assumem por temer represálias e a sociedade classe-média do país que não sabe lidar com a diversidade sexual. Uma França insegura corre por Azul. Seja através das colegas que temem que Adèle queira se relacionar de alguma outra forma com elas como também, através da insegurança financeira. É nessa parte que, quase explicitamente, Kechiche nos entrega um comparativo de duas famílias. Se a de Emma é libertina, artística, já passou por uma separação e janta ostras afrodisíacas, por outro lado a de Adèle é o básico. Seus pais são casados e jantam religiosamente macarrão à bolonhesa com vinho tinto e criaram a garota para seguir um futuro que não precisa ser brilhante, mas sim seguro financeiramente, afinal a crise pode estar logo ali na esquina. Adèle prefere ser professora primária, apesar de ler, interpretar e escrever muito bem, tudo para se tornar uma ótima escritora. Ela não almeja grandes planos. Existir e estar segura parece bastar.

E é esse um dos pontos da segunda parte do filme, que é dividio em dois capítulos, o momento em que o casal se descobre e o momento em que tudo começa a desmoronar. O relacionamento vai sofrendo desgastes. Emma parece almejar uma companheira mais ambiciosa e Adèle gostaria de ter mais ainda de Emma, que parece ocupada com sua carreira e ambição, que lhe faz tanto falta. Com essa personagem errante e desligada, Exarchopoulos entrega a performance do ano, totalmente entregue de corpo e alma e aos improvisos, que Kechiche decidiu modificar o título na França para A Vida de Adèle, referência ao livro de Marivaux e também à própria atriz e os métodos de filmagem improvisados do diretor e que impossibilitavam manter o nome da personagem da graphic novel de Marioh, Clementine, já que todos no set a chamavam pelo seu nome da atriz.

O fato é que filme é feito de escolhas de Adèle, a personagem, e o universo ao seu redor é constituído de ação e reação. Em nenhum momento Kechiche rotula sua personagem-título de lésbica. Ela experimenta sua sexualidade, o que sente. E escolhe amar sem barreiras. E escolhe também trair Emma com um homem. E é a partir daí que se desenrolam cenas explosivas e de muito arrependimento. Belíssimas e dolorosas. São as escolhas, e às vezes elas são feitas da pior maneira possível. Mesmo assim, o coração dela pertence à Emma e as tentativas de arrumar a bagunça ecoam na mente. Em um dos momentos mais fortes, as duas se encontram em um café.  A desconstrução do casal é devastadora. E como seguir em frente quando aquela que tanto foi amada e a amou já não a ama mais?

Na cena final, em um coquetel de uma exposição de Emma, Adéle realiza que sua ex seguiu com a vida, constituindo uma família, continuando com seus trabalhos mesmo com o coração partido de ter sido traída, mesmo que as coisas não tenham mais aquele calor que o relacionamento de ambas possuía. Mas ela parece não acreditar, já que, por outro lado, ela ruminou esse amor e manteve a esperança de que um dia teria uma segunda chance. Nem as investidas de um conhecido dos velhos tempos com Emma ela enxerga. Sai da exposição cega, trilhando de volta o caminho pelo qual chegou. O cara interessado corre atrás dela e a torcida vibra com um final feliz. Mas ele pega um rumo oposto e como espectadores, notamos que o reencontro de ambos vai ser quase impossível. Se ele saiu em busca do carro, a rua que a garota tomou é na contramão. Somos levados a um final que não passa nem perto dos romances americanos. Mas é ali que inicia a verdadeira vida de Adèle, chocada com a realidade e, quem sabe, obstinada a superar seu primeiro coração partido. Em meio a tantas interpretações, Kechiche ainda nos oferece esse final em aberto. Mas deixa, quem sabe, uma mensagem... o que não mata, fortalece.

Publicado originalmente na edição #6 do Zinematógrafo.