9 de outubro de 2011

Vamos ao resgate?

Essa semana fui ao Theatro Guarany conferir o documentário da Moviola Filmes: O Liberdade. Um filme repleto de sentimento e que faz um bom resgate da cultura local que se encontra nesse pequeno restaurante popular durante o dia e à noite um verdadeiro reduto da música brasileira. História viva diante de toda uma cidade que a desconhecia, agora resgatada.

Aguardando o início da sessão acabei vagando pelo Theatro e fiquei impressionado com alguns materiais que enfeitam alguns cantos do local. Stills e materiais promocionais de diversas produções que muitos nem conhecem e que tiveram lá sua importância em alguns momentos da história do cinema. Fiquei um tanto feliz em reconhecer a maioria das imagens de filmes que adoro e tenho um carinho bem especial. Através desses materiais e filmes, me veio aquela sensação de deslocamento espaço-tempo que acontece seguido, mas que já nem ligo. Tanto que entre os materiais que estavam pelas paredes do local notei alguns de produções americanas dos anos 40 e 50. Verdadeiras raridades.

Que me lembro agora, vi um miniposter de Acordes do Coração (Humoresque) com Joan Crawford sendo anunciada em uma chamada mais ou menos como “Depois de seu Oscar por Alma em Suplício”. Acabei imaginando se Alma em Suplício, clássico do melodrama noir (e que comentei em um post anterior) havia sido exibido por essas bandas e o que P. F. Gastal teria a dizer sobre aqueles filmes todos. Notei também uma foto de um filme menor da Paramount com Jane Wyman, mas não recordo o nome. E claro, diversos de western e algumas produções descartáveis dos anos 90. Foi aí que esse momento acabou me trazendo a memória um pouco que vivi com os cinemas daqui da cidade e até mesmo uma ocasião envolvendo o Guarany.

Me lembro de quando muito pequeno, quando o então Cine-Theatro estava prestes a fechar, meu pai queria me levar para assistir O Hóspede Quer Bananas, um desses filmes que a Fox lançava nos anos 90 com animais inteligentíssimos que faziam mil e uma travessuras. Depois a Globo reprisou incansavelmente. Bom, não lembro bem ao certo o motivo de eu não ter escolhido esse filme ou que outro filme eu acabei assistindo naquela matinê de domingo. Mas depois do fechamento do Guarany como cinema, sempre fiquei com uma ponta de erro por não ter aceitado assistir essa filme, assim como fiquei quando me neguei a assistir Licença para Casar, quando o Capitólio fatidicamente fechou em 2008.

Depois de passar por toda essa onda de saudade de todos os demais cinemas de calçada, veio – como sempre – à tona que restou somente um cinema em Pelotas. Uma cidade que conta com cursos de graduação voltados ao audiovisual e festival de cinema. Sendo que essa única sala de cinema se localiza quase que rusticamente em uma galeria.

Escuto as pessoas sempre denegrindo a sala. Porém fico pensando... e se essa sala fechar? Agradeço que seu João (um dos donos) e seus funcionários ainda tenham forças para manter o negócio. Revisitei a sala 3 esses dias e voltarei a visitar essa semana para assistir Missão Madrinha de Casamento (uma das melhores comédias do ano, escrevem diversos meios). E apesar de ser a pior sala das 3 que o Cineart possui, ainda assim entro nela e sento com as pernas apertadas pela poltrona da frente, praticamente cego de felicidade por aquela sala ainda estar ali. Realmente, não possuiu padrão de sala da capital ou das diversas salas que tivemos. Mas se não está bom, vamos ficar reclamando? Não está na hora de fazermos algo?

Contanto que o Cineart, os atuais cineclubes e aquelas meras imagens na parede do Guarany ainda existam, estaremos a salvo. Agora, não podemos esperar sentados em alguma poltrona da sala 3. Está na hora de parar de transformar os cinemas em igrejas, estacionamentos, supermercados ou ainda, abandoná-los. É o momento de reabri-los, buscar suas histórias e seguir em frente com novas salas. Salas que tenham abrangência diversa. Dos blockbusters, passando pelo cinema europeu e principalmente o nosso cinema brasileiro. O público existe em Pelotas. Diversos projetos estão aí para provar, incluindo O Liberdade, que superlotou o Theatro Guarany.

Existem tantos casarões tombados nessa cidade e muitos vazios e que lembram a alta sociedade local. Belíssima, bem maquiada, com ar de superioridade e fortuna por fora, mas muitíssimo vazia e até mesmo pobre. Vivendo meramente de aparências.

Todo esse meu desabafo – que considero superficial, dado tantos desdobramentos que esse assunto pode trazer – estalou na minha mente com uma pequena reportagem da Folha de São Paulo que relata que salas de cinema de calçada antes abandonadas, agora começam a reabrir no Rio de Janeiro e Niterói. Além do Belas Artes, de São Paulo, que será tombado como patrimônio da cidade e quem sabe, voltará a funcionar novamente. Então, vamos resgatar as nossas salas também?

29 de agosto de 2011

Festival de Gramado: quando todos merecem mais

Quando voltei do Festival de Cinema de Gramado, abri um jornal da minha cidade, Pelotas, procurando algum texto relativo à esta 39ª edição. Foi com muito pesar que acabei notando que o mais representativo festival nacional fora resumido a algumas palavras-chave como frio, celebridades e turistas. O texto tão genérico pareceu falar de todas as 39 edições do festival. Ele não falava do que mais diferencia cada edição: filmes, debates, seminários e público. Sim, o festival gaúcho é representativo quanto aos aspectos citados pelo jornal local, porém, mais do que isto, existem por trás do evento pessoas pouco interessadas se está frio, se Fábio Assunção aparecerá ou não no tapete vermelho, ou quais lembrancinhas levar aos familiares. É uma maratona fílmica, em busca de uma produção digna de ser dita interessante, inovadora e que traga ao cinema brasileiro e latino um certo respiro.

Na edição deste ano, participei como integrante do Júri Estudantil representando o curso de cinema da Universidade Federal de Pelotas. É claro que meu objetivo com a ida ao festival não era nem um pouco turístico, mesmo que essa também fosse a minha primeira vez na mais famosa cidade da serra gaúcha e em um festival de cinema tão histórico. Anteriormente, só havia acompanhado Gramado pelos jornais impressos e televisivos durante a infância e ultimamente, já com meus bom idos 22 anos, pela internet, que permite a qualquer um acompanhar festivais do mundo inteiro. Fazendo parte do corpo de jurados de estudantes de cinema, a visão esperada para tal deveria ser friamente técnica, diriam alguns.

Houve, naturalmente, uma tentativa para avaliar cada por sua qualidade técnica, porém não só isto. Outros quesitos acabavam por nos ocupar a mente, como a questão do tema, em como tal filme se inseria na programação do festival, se já era algo usual e até mesmo a sua relevância no cenário tanto cinematográfico como histórico atual.

Competição mediana

Foi surpreendente encontrar tantas produções nacionais de qualidade média a ruim. Dos sete filmes na Mostra Competitiva de longas brasileiros, poucos seriam salvos. Riscado, de Gustavo Pizzi, foi realmente um achado, uma abertura grandiosa e que, para mim, ofuscou o brilho (já não tão forte) de O Palhaço, de Selton Mello. Uma Longa Viagem, de Lúcia Murat, é tão singelo, tocante, despudorado. Como bem disse durante um dos debates a jornalista Maria do Rosário Caetano, da Revista de Cinema, rimos juntamente com o irmão da diretora quanto às suas desventuras pelo mundo, nunca rimos dele por seus problemas. A junção de documentário e dramatização, muito bem realizada por Murat, através de Caio Blat, consegue ser lírica sem desandar e acabar em um Ponto Final, filme esse do diretor Marcelo Taranto, um grande desapontamento. Contando no elenco com Hermila Guedes, o filme de Taranto tinha a promessa de algo interessante em função da presença da atriz. Porém, o diretor conseguiu apagá-la, e nem precisou tirá-la de cena. Dando à Hermila falas que caberiam em um pequeno livro de frases de auto-ajuda barato, ele conseguiu desaparecer com qualquer resquício daquela atriz que embasbacou o público em O Céu de Suely.

Aliás, durante os debates, Taranto defendeu a idéia de é um autor. Se especializou academicamente em cinema de autor e por isso, ao que parece, é um autor. Oras, essa ladainha de autor já é um tanto ultrapassada. Um cineasta que decide criar meramente uma estética com palavras bonitas, iluminação e cenários diferenciados do restante, necessariamente, não é um autor. Um autor surge naturalmente, sem esforços, tentando buscar um cinema pessoal que dialogue com o espectador. País do Desejo, de Paulo Caldas sofre do mesmo mal. E também poderia ter sido um melodrama interessante se trabalhasse com mais ritmo. Talvez resida na preocupação em parecer autoral que fez com que ambos os filmes pouco pareçam… autorais. Acabam se tornando retratos pobres. Ameaças, tentativas de serem autorais. Para tanto, Gustavo Pizzi e Lucia Murat não se esforçaram em momento algum nos debates tentando externar explicitamente que são cineastas autorais, eram eles, entretanto os mais autores.

Quando a panorâmica se sobressai

Diversidade também apareceu na Mostra Panorâmica, prêmio da categoria que é concedido somente por nós, júri estudantil. De certa forma, a escolha do filme entre nós oscilou entre dois: Mundialito e Transeunte, posteriormente defindo-se, felizmente, pelo filme de Eryk Rocha. Particularmente, e deixo aqui aberto o meu voto, Mãe e Filha, de Petrus Cariry, era o grande merecedor. Acabaram-se os créditos e fiz o que não havia feito durante todos os filmes exibidos nessa edição e em todas as mostras: procurei a equipe para saber mais, indagar e questionar se havia previsão de lançá-lo comercialmente, mesmo que em pequenas salas. O filme me arrebatou. Foi um dos poucos que fiz enormes anotações e achava que elas, as anotações, não acabariam tão cedo. Ainda convivo com o filme na minha mente. Conversei um bom tempo com Zezita Matos, protagonista do filme, e só pensava: esse filme precisava de um debate. A riqueza que Zezita me passou a respeito da realização do filme foi ímpar. E foi um dos momentos em que notei algo que faltava em Gramado, além de cópias em película para as produções latino-americanas e algo que tapasse as goteiras do Palácio. Pode parecer exagero, mas senti falta de mesas de debate com realizadores da mostra panorâmica. A conversa no saguão do palácio muitas vezes não parecia suficiente e realizadores que, como diz o nome da mostra, dão um panorama das produções do país , pareciam ficar sem voz no festival. E residia ali, na panorâmica, obras de maior expressão que vários títulos da competitiva.

Um dos pontos problematizados quanto a premiação para Mundialito foi exatamente isso: o documentário se sobressaía como documentário? Sua forma, sua linguagem era superior à média? De forma alguma desmerecendo a produção do documentário, mas acabei levantando questões relativas a Transeunte e Mãe e Filha. Filmes excepcionais e que poderiam morrer ali, no circuito de festivais e sem prêmios. E não é um perfil preconceituoso nomear um filme de “filme de festival”. É basicamente notar aquela produção que possivelmente não encontrará distribuição e espaço fora desse circuito, infelizmente. Fica ao nosso encargo fazer o público, mídia e interessados prestarem atenção nesse ou aquele filme que pode ser uma grande descoberta , e até mesmo, inspiração para outros estudantes. O filme de Eryk Rocha foi o mais próximo que chegamos de um consenso e considero uma escolha feliz, dado o retrato belíssimo da solidão na terceira idade, com uma linha tênue entre ficção e documentário. Sem contar é claro, a ótima atuação de Fernando Bezerra.

Os miniciclos

Foi notável que a cada dia das mostras existiam miniciclos. A curadoria de José Carlos Avellar e Sérgio Sanz é diferenciada. A cada debate era possível, sem forçar, interligar os filmes. Até mesmo de diferentes dias e mostras. Para mim, existia uma relação clara entre alguns dos filmes: a solidão, isolamento e toda uma questão cíclica. Mas não havia como ficar animado ao ver que o cinema latino-americano parecia estar vivendo de um tripé antigo para contar suas histórias: ditaduras, crianças, classe baixa versus classe alta. La Leccion de Pintura e Las Malas Intenciones, são exemplos. De certa forma, histórias muito parecidas já foram contadas, tanto que Andres Wood, de Machuca, figura como um dos produtores de La Leccion de Pintura. Não quero de forma alguma desmerecer o trabalho do diretor chileno Pablo Perelman ou a seleção de Avellar e Sanz. La Leccion parte de uma bela alegoria e nos oferece um final que é um verdadeiro baque e a seleção dos filmes forma um diálogo.

Outro fato interessante foi notar que em A Tiro de Piedra, o diretor Sebastian Hiriart nos omite um dos pontos que qualquer cineasta vislumbrado pela jornada do protagonista faria: mostrar sua travessia do México para os Estados Unidos. Reside aí o diferencial da película entre tantos. O argentino Medianeras foi o mais leve de todos os filmes, trouxe um quê de Woody Allen ao festival e não há como negar a campanha que vem sendo feita pela distribuidora que o nomeia “o namoradinho do público”. É realmente o filme querido, tanto que foi efusivamente aplaudido três vezes e ganhou o prêmio do Júri Popular no festival. O documentário uruguaio El Casamiento lembrou vagamente de Grey Gardens (1977), dos irmãos Maysles, duas pessoas isoladas vivendo e adoecendo juntamente. Jean Gentil , da República Dominicana, foi arrebatador ao confundir o ator e personagem, além de trazer questões como a religiosidade e a interação homem /natureza. Era clara a superioridade das produções latinas em comparação as brasileiras.

Sudoeste ao sul

A abertura de Selton Mello com O Palhaço foi o que se pode dizer de um bom aperitivo. Bom, mas não o suficiente. Durante a semana de exibições houve altos e baixos, mais baixos que altos, mas que tinham lá o seu porquê. O encerramento contou com um filme que há tempos havia lido um texto no blog do Luiz Carlos Merten, em que o crítico comentava de sua viagem ao set e a produção, portanto, prometia. Era Sudoeste, dirigido por Eduardo Nunes, estrelado e produzido por Simone Spoladore. O filme remete um tanto a Limite, de Mário Peixoto (que comemorou 80 anos de sua primeira projeção este ano) e traz consigo a questão do tempo, que não deixa de ser colocada também em Mãe e Filha, do Cariry. Foi um grande fechamento de festival e há de se considerar o filme de Nunes o hors concours dessa edição.

A experiência de uma semana imerso em tantos filmes e rodeado de grandes críticos e pensadores do cinema, não só o brasileiro, foi indescritível. Gramado tem sim problemas que se sobressaem muitas vezes, mas ainda assim é um espaço aberto a discussão e melhorias. E todo quarentão que se preza deve se dar ao luxo de, quem sabe, entrar em uma crise efêmera.

Muitas informações, filmes, diálogos e pensamentos a respeito de todo o festival ficam de fora, deixando talvez esse relato um tanto superficial, mas que tenta, ao menos, ser um pouco mais profundo que a reportagem do jornal local que citei no começo deste texto.

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Publicado originalmente no site da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema).

17 de agosto de 2011

cotações - longas - 39º festival de cinema de gramado

Publicando primeiro as cotações dos longas exibidos em Gramado. Como nos anos anteriores, a mostra de filmes latinos se sobressaiu em relação aos brasileiros. O conselho é bem claro: fiquem longe de filmes como O Carteiro, País do Desejo e Ponto Final.

Longas nacionais

O Palhaço, de Selton Mello (fora de competição - filme de abertura) ***
Riscado, de Gustavo Pizzi ****
Uma longa viagem, de Lucia Murat ***/2
País do Desejo, de Paulo Caldas */2
As hiper mulheres, de Carlos Fausto, Leonardo Sette, Takumã Kuikuro **/2
O Carteiro, de Reginaldo Faria **
Olhe pra mim de novo, de Kiko Goifman e Claudia Priscila ***
Ponto Final, de Marcelo Taranto *
Sudoeste, de Eduardo Nunes (fora de competição - filme de encerramento) ****


Longas latinos

Medianeras, de Gustavo Taretto ****
A Tiro de Piedra, de Sabastian Hiriat ***/2
Las Malas Intenciones, de Rosario Garcia Montero ***
La Lección de Pintura, de Pablo Perelman ***/2
Jean Gentil, de Laura Guzmán & Israel Cárdenas ****
El Casamiento, de Aldo Garay ***/2
García, José Luís Rugeles ***

23 de julho de 2011

gigante (adrian biniez, uruguai, 2009)

Gigante (2009) é um daqueles filmes singelos que conquista o público e crítica instantaneamente. De certa forma, relembra a época em que o cinema nada mais era do que um trabalho de contar uma história por imagens. Os diálogos no filme uruguaio são raros e quando aparecem não querem ser memoráveis, são falas do dia-a-dia dos personagens. São os atos dos envolvidos na trama que se sobressaem.

Dirigido pelo estreante em longas-metragens Adrian Biniez, Gigante é a história de uma paixão platônica, timidez e um pouco das dificuldades da vida dos uruguaios. Jara, o gigante do título, é um segurança grandalhão de um supermercado e seu trabalho consiste em vigiar as câmeras do local. Um dia se vê sorrindo ao se deparar com Julia, através das câmeras. Como um voyeur, ele inicia uma obsessão tamanha pela garota a ponto de usar de seu poder de vigilante para ajudá-la e até mesmo persegui-la, tudo em tom de romance.

A produção é como uma versão masculina e mais contida de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001), sem todo o excesso de informação visual, ao lidar com o tema do amor platônico. E tira de letra ao trazer o que o cinema uruguaio faz de melhor: o cotidiano e as dificuldades do país.