29 de agosto de 2011

Festival de Gramado: quando todos merecem mais

Quando voltei do Festival de Cinema de Gramado, abri um jornal da minha cidade, Pelotas, procurando algum texto relativo à esta 39ª edição. Foi com muito pesar que acabei notando que o mais representativo festival nacional fora resumido a algumas palavras-chave como frio, celebridades e turistas. O texto tão genérico pareceu falar de todas as 39 edições do festival. Ele não falava do que mais diferencia cada edição: filmes, debates, seminários e público. Sim, o festival gaúcho é representativo quanto aos aspectos citados pelo jornal local, porém, mais do que isto, existem por trás do evento pessoas pouco interessadas se está frio, se Fábio Assunção aparecerá ou não no tapete vermelho, ou quais lembrancinhas levar aos familiares. É uma maratona fílmica, em busca de uma produção digna de ser dita interessante, inovadora e que traga ao cinema brasileiro e latino um certo respiro.

Na edição deste ano, participei como integrante do Júri Estudantil representando o curso de cinema da Universidade Federal de Pelotas. É claro que meu objetivo com a ida ao festival não era nem um pouco turístico, mesmo que essa também fosse a minha primeira vez na mais famosa cidade da serra gaúcha e em um festival de cinema tão histórico. Anteriormente, só havia acompanhado Gramado pelos jornais impressos e televisivos durante a infância e ultimamente, já com meus bom idos 22 anos, pela internet, que permite a qualquer um acompanhar festivais do mundo inteiro. Fazendo parte do corpo de jurados de estudantes de cinema, a visão esperada para tal deveria ser friamente técnica, diriam alguns.

Houve, naturalmente, uma tentativa para avaliar cada por sua qualidade técnica, porém não só isto. Outros quesitos acabavam por nos ocupar a mente, como a questão do tema, em como tal filme se inseria na programação do festival, se já era algo usual e até mesmo a sua relevância no cenário tanto cinematográfico como histórico atual.

Competição mediana

Foi surpreendente encontrar tantas produções nacionais de qualidade média a ruim. Dos sete filmes na Mostra Competitiva de longas brasileiros, poucos seriam salvos. Riscado, de Gustavo Pizzi, foi realmente um achado, uma abertura grandiosa e que, para mim, ofuscou o brilho (já não tão forte) de O Palhaço, de Selton Mello. Uma Longa Viagem, de Lúcia Murat, é tão singelo, tocante, despudorado. Como bem disse durante um dos debates a jornalista Maria do Rosário Caetano, da Revista de Cinema, rimos juntamente com o irmão da diretora quanto às suas desventuras pelo mundo, nunca rimos dele por seus problemas. A junção de documentário e dramatização, muito bem realizada por Murat, através de Caio Blat, consegue ser lírica sem desandar e acabar em um Ponto Final, filme esse do diretor Marcelo Taranto, um grande desapontamento. Contando no elenco com Hermila Guedes, o filme de Taranto tinha a promessa de algo interessante em função da presença da atriz. Porém, o diretor conseguiu apagá-la, e nem precisou tirá-la de cena. Dando à Hermila falas que caberiam em um pequeno livro de frases de auto-ajuda barato, ele conseguiu desaparecer com qualquer resquício daquela atriz que embasbacou o público em O Céu de Suely.

Aliás, durante os debates, Taranto defendeu a idéia de é um autor. Se especializou academicamente em cinema de autor e por isso, ao que parece, é um autor. Oras, essa ladainha de autor já é um tanto ultrapassada. Um cineasta que decide criar meramente uma estética com palavras bonitas, iluminação e cenários diferenciados do restante, necessariamente, não é um autor. Um autor surge naturalmente, sem esforços, tentando buscar um cinema pessoal que dialogue com o espectador. País do Desejo, de Paulo Caldas sofre do mesmo mal. E também poderia ter sido um melodrama interessante se trabalhasse com mais ritmo. Talvez resida na preocupação em parecer autoral que fez com que ambos os filmes pouco pareçam… autorais. Acabam se tornando retratos pobres. Ameaças, tentativas de serem autorais. Para tanto, Gustavo Pizzi e Lucia Murat não se esforçaram em momento algum nos debates tentando externar explicitamente que são cineastas autorais, eram eles, entretanto os mais autores.

Quando a panorâmica se sobressai

Diversidade também apareceu na Mostra Panorâmica, prêmio da categoria que é concedido somente por nós, júri estudantil. De certa forma, a escolha do filme entre nós oscilou entre dois: Mundialito e Transeunte, posteriormente defindo-se, felizmente, pelo filme de Eryk Rocha. Particularmente, e deixo aqui aberto o meu voto, Mãe e Filha, de Petrus Cariry, era o grande merecedor. Acabaram-se os créditos e fiz o que não havia feito durante todos os filmes exibidos nessa edição e em todas as mostras: procurei a equipe para saber mais, indagar e questionar se havia previsão de lançá-lo comercialmente, mesmo que em pequenas salas. O filme me arrebatou. Foi um dos poucos que fiz enormes anotações e achava que elas, as anotações, não acabariam tão cedo. Ainda convivo com o filme na minha mente. Conversei um bom tempo com Zezita Matos, protagonista do filme, e só pensava: esse filme precisava de um debate. A riqueza que Zezita me passou a respeito da realização do filme foi ímpar. E foi um dos momentos em que notei algo que faltava em Gramado, além de cópias em película para as produções latino-americanas e algo que tapasse as goteiras do Palácio. Pode parecer exagero, mas senti falta de mesas de debate com realizadores da mostra panorâmica. A conversa no saguão do palácio muitas vezes não parecia suficiente e realizadores que, como diz o nome da mostra, dão um panorama das produções do país , pareciam ficar sem voz no festival. E residia ali, na panorâmica, obras de maior expressão que vários títulos da competitiva.

Um dos pontos problematizados quanto a premiação para Mundialito foi exatamente isso: o documentário se sobressaía como documentário? Sua forma, sua linguagem era superior à média? De forma alguma desmerecendo a produção do documentário, mas acabei levantando questões relativas a Transeunte e Mãe e Filha. Filmes excepcionais e que poderiam morrer ali, no circuito de festivais e sem prêmios. E não é um perfil preconceituoso nomear um filme de “filme de festival”. É basicamente notar aquela produção que possivelmente não encontrará distribuição e espaço fora desse circuito, infelizmente. Fica ao nosso encargo fazer o público, mídia e interessados prestarem atenção nesse ou aquele filme que pode ser uma grande descoberta , e até mesmo, inspiração para outros estudantes. O filme de Eryk Rocha foi o mais próximo que chegamos de um consenso e considero uma escolha feliz, dado o retrato belíssimo da solidão na terceira idade, com uma linha tênue entre ficção e documentário. Sem contar é claro, a ótima atuação de Fernando Bezerra.

Os miniciclos

Foi notável que a cada dia das mostras existiam miniciclos. A curadoria de José Carlos Avellar e Sérgio Sanz é diferenciada. A cada debate era possível, sem forçar, interligar os filmes. Até mesmo de diferentes dias e mostras. Para mim, existia uma relação clara entre alguns dos filmes: a solidão, isolamento e toda uma questão cíclica. Mas não havia como ficar animado ao ver que o cinema latino-americano parecia estar vivendo de um tripé antigo para contar suas histórias: ditaduras, crianças, classe baixa versus classe alta. La Leccion de Pintura e Las Malas Intenciones, são exemplos. De certa forma, histórias muito parecidas já foram contadas, tanto que Andres Wood, de Machuca, figura como um dos produtores de La Leccion de Pintura. Não quero de forma alguma desmerecer o trabalho do diretor chileno Pablo Perelman ou a seleção de Avellar e Sanz. La Leccion parte de uma bela alegoria e nos oferece um final que é um verdadeiro baque e a seleção dos filmes forma um diálogo.

Outro fato interessante foi notar que em A Tiro de Piedra, o diretor Sebastian Hiriart nos omite um dos pontos que qualquer cineasta vislumbrado pela jornada do protagonista faria: mostrar sua travessia do México para os Estados Unidos. Reside aí o diferencial da película entre tantos. O argentino Medianeras foi o mais leve de todos os filmes, trouxe um quê de Woody Allen ao festival e não há como negar a campanha que vem sendo feita pela distribuidora que o nomeia “o namoradinho do público”. É realmente o filme querido, tanto que foi efusivamente aplaudido três vezes e ganhou o prêmio do Júri Popular no festival. O documentário uruguaio El Casamiento lembrou vagamente de Grey Gardens (1977), dos irmãos Maysles, duas pessoas isoladas vivendo e adoecendo juntamente. Jean Gentil , da República Dominicana, foi arrebatador ao confundir o ator e personagem, além de trazer questões como a religiosidade e a interação homem /natureza. Era clara a superioridade das produções latinas em comparação as brasileiras.

Sudoeste ao sul

A abertura de Selton Mello com O Palhaço foi o que se pode dizer de um bom aperitivo. Bom, mas não o suficiente. Durante a semana de exibições houve altos e baixos, mais baixos que altos, mas que tinham lá o seu porquê. O encerramento contou com um filme que há tempos havia lido um texto no blog do Luiz Carlos Merten, em que o crítico comentava de sua viagem ao set e a produção, portanto, prometia. Era Sudoeste, dirigido por Eduardo Nunes, estrelado e produzido por Simone Spoladore. O filme remete um tanto a Limite, de Mário Peixoto (que comemorou 80 anos de sua primeira projeção este ano) e traz consigo a questão do tempo, que não deixa de ser colocada também em Mãe e Filha, do Cariry. Foi um grande fechamento de festival e há de se considerar o filme de Nunes o hors concours dessa edição.

A experiência de uma semana imerso em tantos filmes e rodeado de grandes críticos e pensadores do cinema, não só o brasileiro, foi indescritível. Gramado tem sim problemas que se sobressaem muitas vezes, mas ainda assim é um espaço aberto a discussão e melhorias. E todo quarentão que se preza deve se dar ao luxo de, quem sabe, entrar em uma crise efêmera.

Muitas informações, filmes, diálogos e pensamentos a respeito de todo o festival ficam de fora, deixando talvez esse relato um tanto superficial, mas que tenta, ao menos, ser um pouco mais profundo que a reportagem do jornal local que citei no começo deste texto.

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Publicado originalmente no site da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema).

17 de agosto de 2011

cotações - longas - 39º festival de cinema de gramado

Publicando primeiro as cotações dos longas exibidos em Gramado. Como nos anos anteriores, a mostra de filmes latinos se sobressaiu em relação aos brasileiros. O conselho é bem claro: fiquem longe de filmes como O Carteiro, País do Desejo e Ponto Final.

Longas nacionais

O Palhaço, de Selton Mello (fora de competição - filme de abertura) ***
Riscado, de Gustavo Pizzi ****
Uma longa viagem, de Lucia Murat ***/2
País do Desejo, de Paulo Caldas */2
As hiper mulheres, de Carlos Fausto, Leonardo Sette, Takumã Kuikuro **/2
O Carteiro, de Reginaldo Faria **
Olhe pra mim de novo, de Kiko Goifman e Claudia Priscila ***
Ponto Final, de Marcelo Taranto *
Sudoeste, de Eduardo Nunes (fora de competição - filme de encerramento) ****


Longas latinos

Medianeras, de Gustavo Taretto ****
A Tiro de Piedra, de Sabastian Hiriat ***/2
Las Malas Intenciones, de Rosario Garcia Montero ***
La Lección de Pintura, de Pablo Perelman ***/2
Jean Gentil, de Laura Guzmán & Israel Cárdenas ****
El Casamiento, de Aldo Garay ***/2
García, José Luís Rugeles ***