26 de dezembro de 2014

O Desaparecimento de Eleanor Rigby (Ned Benson, 2014)

Ned Benson, diretor de O Desaparecimento de Eleanor Rigby (The Disappearance of Eleanor Rigby, 2014) deve estar saturado de ouvir falar de sua produção. Estrelado pela fascinante Jessica Chastain e o sempre simpático James McAvoy, Eleanor Rigby possui o total de três versões para o cinema. E todas as três foram, de certa forma, lançadas para o público, mesmo que não comercialmente. Exibido originalmente em 2013 no Festival de Toronto, a produção de Benson era dividida em duas partes, uma contava a história pela perspectiva da personagem título e a outra pela perspectiva do marido, Conor. Em seguida da exibição no festival, o diretor já encaminhava um terceiro corte, juntando a visão de ambos e que seria lançada comercialmente.




Batizada devido à famosa canção dos Beatles, Eleanor (Chastain) é casada com Conor (McAvoy) e como o filme coloca nos minutos iniciais, são o casal perfeito. Fugindo de pagar a conta em um restaurante se mostram românticos e é notável como se complementam. Mas tudo muda com a tentativa de suicídio de Eleanor e seu subito desaparacimento, que também leva a uma insistência em não querer rever Conor. A plateia é colocada em banho-Maria sem saber ao certo o que levou o casal a esse momento tão triste da relação. E, aos poucos, Benson vai nos dando indícios ali e acolá e, assim como seus personagens, tudo fica nas entrelinhas sem ousar falar diretamente a respeito. Entramos automaticamente no luto que Eleanor vive constantemente.


Jessica Chastain surge roubando com momentos belíssimos ao lado de atrizes como Viola Davis e a francesa Isabelle Huppert (que interpreta a mãe de Eleanor). Como temática, o filme acaba lembrando produções como Reencontrando a Felicidade (2011) e até mesmo A Árvore da Vida (2011), também estrelado por Chastain. O Desaparecimento de Eleanor Rigby realmente deve ser excepcional em suas outras duas versões que visitam a perspectiva individual de Eleanor e Conor, justificando melhor algumas escolhas e ações dos personagens. Mas essa terceira versão, que ganhou informalmente o subtítulo de "Eles", ganha muito ao transmitir o sentimento que persegue o casal protagonista.



24 de julho de 2014

Grace de Mônaco (de Olivier Dahan, 2014)

Uma sensação de desapontamento perpassa toda a exibição de Grace de Mônaco (Grace de Monaco, 2014), e o sentimento não é apenas gerado devido as altas expectativas pela história da atriz e princesa Grace Kelly (Nicole Kidman), mas também pela direção pobre e exagerada de Olivier Dahan, diretor de Piaf - Um Hino ao Amor (2007).

Se em Piaf, a direção de Dahan era salva pela perfomance carismática de Marion Cottilard e em como conseguiu de forma satisfatória se utilizar do melodrama, aqui em Grace, quase 7 anos após a cinebiografia da cantora francesa, assistimos à uma produção sem carisma, sem paixão e que parece se firmar em estruturas que poderiam ser fortes e interessantes, mas que se tornam fracas e sem muita profundidade: política, insatisfação, sacrifícios e a força de uma mulher, não de Grace Kelly atriz ou Grace, a Princesa de Mônaco, mas sim o papel que uma mulher precisa exercer em função daqueles que ama e com isso, sacrificar-se.

Não era exagerada a reação de Harvey Weinstein em querer reeditar a obra para lançá-la no mercado norte-americano. Um dos problemas de Dahan reside exatamente aí, na montagem e no ritmo que essa dá ao seu filme. Sem focar nos closes e se aproximando de planos detalhe dos olhos de Kidman durante toda cena tensa ou emocional, o diretor é puro excesso. Mesmo que isso seja característico de sua inspiração principal, os melodramas, sua direção deixaria Douglas Sirk com vergonha. Afinal, ao contrário de Dahan, Sirk (pai do melodrama) com todo seu domínio não ameaçava abordar um assunto ou o apontava de forma superficial, ia no cerne da problemática apontada. Faltou coragem a Dahan de encontrar esse cerne. Mas resta ao diretor apenas o sentimento que Grace Kelly deve ter sentido ao ver que sua vida em Mônaco seria só mais um papel ficcional que viria a desempenhar: frustração.

8 de janeiro de 2014

As Escolhas de Adèle

Chega a ser difícil escolher por onde iniciar um comentário sobre Azul é a Cor Mais Quente, afinal em suas três horas de projeção o diretor Abdellatif Kechiche nos apresenta tantas camadas riquíssimas de interpretação. Partindo da graphic novel de Julie Maroh, o diretor propõe ao espectador ser um voyeur da rotina e do amadurecimento de uma garota que está se descobrindo e fazendo a tão difícil transição da juventude para a idade adulta, lembrando muito uma outra sensação desse ano nos cinemas, a desajeitada Frances Ha (2013). Mas se a personagem de Greta Gerwig e Noah Baumbach quer se encontrar profissionalmente e como artista, a protagonista de Azul, Adèle, quer se encontrar através do amor e da sua total amplitude sexual.

O ponta pé inicial para esses acontecimentos se darão ao simplesmente atravessar a rua e cruzar olhares com Emma (Léa Seydoux), uma artista plástica de cabelos azuis. Esse amor à primeira vista deixa um vazio, que Adèle retira, junto de seus colegas na escola, das páginas de A Vida de Marianne, de Pierre de Marivaux. E assim como Marivaux descreve e dá voz a uma história tão feminina, Kechiche faz o mesmo. Com uma delicadeza singular e com Adèle Exarchopoulos como sua Marianne, musa e veículo.

Azul é um filme que trata de sentimentos, do amor essencialmente. E ao traduzi-lo na linguagem cinematográfica pode-se cair em extremos, do piegas ao distanciamento frívolo. Mas Abdellatif opta por demonstrar toda essa paixão através de planos de gestos, olhares, toques e pele. É um cinema carnal, afinal é também através da carne que achamos a forma de expressarmos o que sentimos. E Adèle, tanto atriz e personagem, é utilizada quase à exaustão.

Após aquela troca de olhares com Emma, a vida da nossa “heroína” vira do avesso. O garoto que paquerava na escola já não faz sentido e meio sem esperar, é surpreendida por uma colega que lhe oferece a porta de entrada para uma nova possibilidade, um universo em que garotas beijam garotas. E Adèle se joga com força, mas é rejeitada pela garota que tenta explicar que “foi só um beijo”. Essa mesma garota assistirá de longe a cena em que a protagonista é confrontada por suas colegas se é ou não lésbica em uma discussão forte. Kechiche nesse momento passa a representar a França, os gays que de um lado não se assumem por temer represálias e a sociedade classe-média do país que não sabe lidar com a diversidade sexual. Uma França insegura corre por Azul. Seja através das colegas que temem que Adèle queira se relacionar de alguma outra forma com elas como também, através da insegurança financeira. É nessa parte que, quase explicitamente, Kechiche nos entrega um comparativo de duas famílias. Se a de Emma é libertina, artística, já passou por uma separação e janta ostras afrodisíacas, por outro lado a de Adèle é o básico. Seus pais são casados e jantam religiosamente macarrão à bolonhesa com vinho tinto e criaram a garota para seguir um futuro que não precisa ser brilhante, mas sim seguro financeiramente, afinal a crise pode estar logo ali na esquina. Adèle prefere ser professora primária, apesar de ler, interpretar e escrever muito bem, tudo para se tornar uma ótima escritora. Ela não almeja grandes planos. Existir e estar segura parece bastar.

E é esse um dos pontos da segunda parte do filme, que é dividio em dois capítulos, o momento em que o casal se descobre e o momento em que tudo começa a desmoronar. O relacionamento vai sofrendo desgastes. Emma parece almejar uma companheira mais ambiciosa e Adèle gostaria de ter mais ainda de Emma, que parece ocupada com sua carreira e ambição, que lhe faz tanto falta. Com essa personagem errante e desligada, Exarchopoulos entrega a performance do ano, totalmente entregue de corpo e alma e aos improvisos, que Kechiche decidiu modificar o título na França para A Vida de Adèle, referência ao livro de Marivaux e também à própria atriz e os métodos de filmagem improvisados do diretor e que impossibilitavam manter o nome da personagem da graphic novel de Marioh, Clementine, já que todos no set a chamavam pelo seu nome da atriz.

O fato é que filme é feito de escolhas de Adèle, a personagem, e o universo ao seu redor é constituído de ação e reação. Em nenhum momento Kechiche rotula sua personagem-título de lésbica. Ela experimenta sua sexualidade, o que sente. E escolhe amar sem barreiras. E escolhe também trair Emma com um homem. E é a partir daí que se desenrolam cenas explosivas e de muito arrependimento. Belíssimas e dolorosas. São as escolhas, e às vezes elas são feitas da pior maneira possível. Mesmo assim, o coração dela pertence à Emma e as tentativas de arrumar a bagunça ecoam na mente. Em um dos momentos mais fortes, as duas se encontram em um café.  A desconstrução do casal é devastadora. E como seguir em frente quando aquela que tanto foi amada e a amou já não a ama mais?

Na cena final, em um coquetel de uma exposição de Emma, Adéle realiza que sua ex seguiu com a vida, constituindo uma família, continuando com seus trabalhos mesmo com o coração partido de ter sido traída, mesmo que as coisas não tenham mais aquele calor que o relacionamento de ambas possuía. Mas ela parece não acreditar, já que, por outro lado, ela ruminou esse amor e manteve a esperança de que um dia teria uma segunda chance. Nem as investidas de um conhecido dos velhos tempos com Emma ela enxerga. Sai da exposição cega, trilhando de volta o caminho pelo qual chegou. O cara interessado corre atrás dela e a torcida vibra com um final feliz. Mas ele pega um rumo oposto e como espectadores, notamos que o reencontro de ambos vai ser quase impossível. Se ele saiu em busca do carro, a rua que a garota tomou é na contramão. Somos levados a um final que não passa nem perto dos romances americanos. Mas é ali que inicia a verdadeira vida de Adèle, chocada com a realidade e, quem sabe, obstinada a superar seu primeiro coração partido. Em meio a tantas interpretações, Kechiche ainda nos oferece esse final em aberto. Mas deixa, quem sabe, uma mensagem... o que não mata, fortalece.

Publicado originalmente na edição #6 do Zinematógrafo.